O meu trabalho é a família

São Josemaria Escrivá sempre apreciou muito e definiu como fundamental o conjunto das atividades domésticas porque contribuem de modo determinante para criar um clima, um ar de família, lares luminosos e alegres, como costumava dizer.

O meu trabalho, gosto de lhe chamar assim, é a família, porque a minha ocupação profissional são os trabalhos que se denominam domésticos. São Josemaria Escrivá sempre apreciou muito e definiu como fundamental o conjunto das atividades domésticas porque contribuem de modo determinante para criar um clima, um ar de família, lares luminosos e alegres, como costumava dizer. Clima, ambiente de alegria, e luminosidade não são algo sensível, mas sim fruto de uma infinidade de detalhes e de pequenas coisas materiais que são expressão do afeto, doação de si, do próprio tempo, com esforço pessoal, por amor aos outros.

Se o amor faltar, serão prestados 'serviços', mas não será um trabalho doméstico no seu significado genuíno.

A característica fundamental do trabalho do lar é o fato de ser um serviço, e um serviço direto a algumas pessoas de quem se está particularmente próximo física e moralmente. E a sua razão mais profunda é o amor. Se o amor faltar, serão prestados serviços de alimentação, de lavanderia, mas não será um trabalho doméstico no seu significado genuíno. Precisamente porque está intimamente relacionado com a capacidade de amar, o trabalho do lar, além de participar dos valores de qualquer outro trabalho, confere uma dignidade e uma gama de possibilidades de aperfeiçoamento pessoal a quem o desempenha. De fato, facilita o desenvolvimento das virtudes humanas que tornam agradável a convivência, como a serenidade, a alegria, o bom humor, a fortaleza para enfrentar com espírito desportivo as pequenas dificuldades da vida corrente, a paciência, a delicadeza, a capacidade de ouvir e de pressentir as necessidades dos outros, a solicitude para com todos. O desempenho habitual desta profissão leva a dar-se com generosidade e com naturalidade; exige, enfim, uma personalidade forte.

Estes trabalhos que tornam possível a vida da comunidade familiar, não são uma série de serviços (alimentares, de limpeza, etc.) necessários para conservar a vida física das pessoas e manter o ambiente que as rodeia, mas têm como objetivo imediato o bem estar dos que vivem em casa e indiretamente contribuem, sem dúvida, para o desenvolvimento da vida espiritual. Serão sempre necessários porque dão resposta a exigências evidentes da vida humana. Com a evolução dos sistemas de vida da sociedade, podem variar as formas concretas de organização e os modos de levá-los a cabo, mas estarão sempre presentes, em todos os tempos e culturas. Não se pode pensar na família sem este aspecto e sem estes serviços, como não se pode pensar na pessoa sem esse ambiente próprio chamado lar.

Contribuir para a felicidade dos outros realiza a pessoa, como Cristo que reinou servindo.

Porque o trabalho doméstico tem como base e fundamento a dignidade da pessoa, ele adquire uma transcendência insuspeitada à primeira vista, que São Josemaria Escrivá soube captar e transmitir com toda a sua profundidade e beleza. Ao ser reflexo do amor, precisamente no âmbito familiar que é o lugar para viver e aprender a querer, este trabalho tem a possibilidade de aproximar as pessoas de Jesus Cristo. A afirmação “servir é reinar” encerra uma grande verdade: procurar a satisfação pessoal deixa um vazio, enquanto que tornar a vida agradável aos outros e contribuir para a sua felicidade, realiza a pessoa, de fato, como Cristo que reinou servindo.

Os ensinamentos e a pregação de São Josemaria Escrivá sobre a santificação do trabalho e das atividades que compõem a vida corrente contribuíram para iluminar milhares de pessoas em todo o mundo e para dar um novo sentido à sua ocupação profissional qualquer que ela seja, também aquelas aparentemente mais humildes e escondidas. Neste sentido, o trabalho do lar pode dizer-se que está dando os primeiros passos, começando a adquirir o seu valor social, já que é uma realidade essencial para o homem, para a família e para toda a sociedade. Pouco a pouco se vai descobrindo com que propriedade se aplicam a este trabalho as palavras de São Josemaria Escrivá: “Há algo de santo, de divino, escondido nas situações mais comuns…”

Quando conheci a mensagem de São Josemaria Escrivá fiquei profundamente impressionada pela sua força e grandeza; pode ser vivida, e de fato muitas pessoas que conheci a vivem. A minha vida deu uma volta não só interior, espiritual, mas também profissional. O que me levou a reconsiderar a minha escolha profissional e a decidir-me por esta ocupação não foi tanto descobrir um interesse ou uma certa inclinação para ela, mas precisamente a riqueza interior que, seguindo os ensinamentos de São Josemaria Escrivá, descobri nas pessoas que desempenham este trabalho.

O fator tempo, quando se dedica aos outros é uma expressão de generosidade…

Um trabalho que, por tantos motivos, São Josemaria Escrivá gostava de comparar ao de um artesão, de um artista. Sabe-se que uma obra de arte se aprecia, para além daquilo que ela exprime, pelo esforço, o engenho e o tempo dedicados na sua realização. O tempo é precioso e investi-lo numa obra aumenta o seu valor. No trabalho doméstico, hoje em dia, o progresso técnico e a crescente automatização conduz a uma poupança de tempo apreciável. Contudo, parece-me importante fazê-lo na medida justa, sem que se torne uma prioridade: refeições rápidas, à base de enlatados, podem trazer um risco de despersonalização do ambiente do lar. Um jantar bem preparado, que procura por vezes surpreender, uma mesa convidativa e uma sala de estar acolhedora podem ajudar a que o ânimo de quem regressa a casa, depois de um intenso dia de trabalho, recobre serenidade, paz ao sentir-se motivo de atenções… O fator tempo, quando se dedica aos outros é uma expressão de generosidade…

E falando de tempo e de generosidade não me refiro só a ter iniciativas que exigem um certo esforço, como pode ser um prato fora do comum, mas também a disponibilidade para as coisas “fora do programa”, a capacidade de compreender e intuir o que cada pessoa necessita em determinados momentos.

Quando a obra de arte não é um objeto, mas a felicidade das pessoas, quem se atreverá a dizer que não vale a pena?

Certamente alguns trabalhos considerados em si mesmos podem parecer pouco atrativos e gratificantes, mas, como em tudo, o atingir um objetivo dá sentido e gosto a todos os meios para a sua realização. Um artista, um escultor, um pintor, enquanto realiza a sua obra de arte, muito provavelmente passará momentos em que se suja de gesso ou de tinta e poderá experimentar cansaço, mas o pensamento da sua obra não só o leva a não desistir, mas torna amável aquilo que aos olhos de um estranho parece tedioso. E, quando a obra de arte não é um objeto, mas a própria felicidade das pessoas, quem se atreverá a dizer que não vale a pena?

Luciana Allora, assistente familiar