Professor, acredita que Deus é o Senhor da História?

Peter Berglar, professor de História Moderna e Contemporânea é bem conhecido pelas suas biografias. Foi assim que relatou como conheceu Josemaria Escrivá.

Peter Berglar, professor de História Moderna e Contemporânea é bem conhecido pelas suas biografias. Quase todas as personagens de P. Berglar são personalidades chave na História: homens e mulheres que viveram em tempos de mudança e tinham consciência disso. No final da vida escreveu biografias de três santos que foram figuras carismáticas na Igreja: São Pedro, Tomás Moro e São Josemaria. Foi assim que relatou como conheceu Josemaria Escrivá.

Nunca tive ocasião de ver em vida Josemaria Escrivá, nem de ouvi-lo, e nem sequer mantive correspondência com ele. No entanto, não tenho dificuldade alguma de falar de “encontro”, e de um encontro que (pondo de lado por uma vez o casamento) considero o mais importante da minha vida. Em 1962, alguém me ofereceu um exemplar de Caminho. Mas essas “máximas de vida de um sacerdote espanhol que também fundou não sei que instituição”, como me disse quem me ofereceu o livro, foram encher-se de pó, depois de folheá-las superficialmente, ao lado das Reflexões e máximas de Goethe, numa estante da minha biblioteca.

No Inverno de 1973-74 recebi no meu escritório da universidade um estudante que queria falar comigo sobre diversos assuntos relacionados com as minhas aulas. Por fim, quando eu já me tinha levantado, fez-me uma pergunta que me deixou desconcertado: “Professor, acredita que Deus é o Senhor da História?”. À tarde, quando regressei a casa, referi à minha mulher a “pergunta pouco convencional” de um estudante. Não imaginava que tinha sido o primeiro contacto com o espírito de Josemaria Escrivá, através daquele meu aluno que (como vim a saber mais tarde) era seu “filho”, um membro do Opus Dei.

Uns meses depois, esse mesmo estudante pediu-me para continuar a conversa, e convidei-o a ir a minha casa, a ele e a um amigo dele. Devo dizer que não deixei passar a ocasião para expor amplamente as minhas ideias àquelas “simpáticas pessoas, que irradiavam uma alegria que não sabia explicar”, como transmiti depois à minha mulher. E, acrescento agora, com a certeza de que nesse dia falei demasiado, “pessoas pacientes” que me tinham ensinado uma lição silenciosa sobre o fundamento humano de qualquer apostolado cristão.

Em Outubro de 1974, aceitei o convite para participar num simpósio que ia realizar-se em Roma. Quando comentei, falando com amigos, que se tratava de uma atividade orientada por sacerdotes do Opus Dei, observei que a maioria não sabia nada ou quase nada do Opus Dei (como eu, aliás), mas que, no entanto, alguns tinham certos “preconceitos”. Esse tom um tanto vago deixou-me perplexo, mas confesso que a minha mulher e eu, ao ir a Roma, íamos com o propósito de “viver como ele vive”. Durante esses dias em Roma, conheci algumas pessoas que tinham vivido muito tempo próximo do fundador; mas, contra a minha maneira de ser, não incomodei ninguém com perguntas sobre o Opus Dei, e ninguém, por seu lado, tentou conduzir a conversa, de modo artificial, para esse tema.

Dou-me conta agora de que se tratou de uma nova etapa do meu “encontro sem encontro” com Josemaria Escrivá. Ia-o conhecendo pouco a pouco, através dos seus filhos, sem saber a “teoria” da mensagem. Relembro, sim, aqueles momentos, vejo neles uma excelente exemplificação de uma reiterada frase sua: “Ocultar-me e desaparecer, para que só Jesus brilhe”.

Penso que este ocultar-se foi providencial no meu caso: de fato, como historiador e escritor de profissão, tenho o costume de procurar sempre um “objeto” preciso para analisar. Foi, para dar um exemplo, como que se alguém tivesse feito um grande favor a outro que está dormindo e sonhando – um favor que provavelmente ao despertar não teria aceitado, porque o seu eu covarde ou preguiçoso teria fechado a porta –, e este, pouco a pouco, ao abrir os olhos, começasse a perceber o presente, avaliando-o e apreciando-o nas mãos, e começasse também a reconhecer o benfeitor. Sobre esta parte “noturna” do meu encontro pouco posso dizer: só que me impressionou, tempos depois, quando soube que Josemaria Escrivá tinha rezado por mim desde o preciso momento em que um dos participantes do simpósio lhe falara de mim. A parte “diurna” e consciente só tinha anotado que naqueles dias tinha feito amizades sinceras, e que ao regressar à Alemanha estava transformado.

Desde que me tinha convertido ao catolicismo, havia já três décadas, a fé e a Igreja tinham-se-me arraigado no mais fundo do meu ser, embora encarasse a ambas como um depósito de fundos espirituais à disposição da minha autonomia arbitrária. Nos meus cinquenta e cinco anos com uma mulher paciente, filhos já homens, uma série de netos e uma casa de campo, a minha bússola inclinava-se em direção à Fantasia vespertina de Hölderlin: “A velhice está cheia de paz e tranquilidade…”. Nos meus sonhos ansiava pela “obra-prima”, pelo meu apogeu intelectual. Mas, à minha volta, tanta gente, tantos “obstáculos” para uma paz merecida…

Quando regressei de Roma, percebi tudo. Recordo então que, nas conferências que dei em três cidades, poucos dias depois do meu regresso, olhava para os meus ouvintes “de outra maneira”: talvez fosse o desejo de tornar participantes os que se aproximavam de mim do afetuoso acolhimento de que eu próprio fora objeto. No dia 30 de Junho de 1975 (Josemaria Escrivá havia morrido quatro dias antes), a minha mulher e eu vimo-lo e ouvimo-lo pela primeira vez, na projeção de um encontro seu com um grupo de famílias. A partir desse momento, o meu “entendimento”, que se tinha detido relativamente ao coração, voltou a recuperar o tempo perdido.

Artigo publicado em Avvenire, Roma, 26-VI-1985