Um estilo vivo e estimulante

O P.e Andrew Byrne, Doutor em Línguas Modernas e em Teologia, é autor da edição bilingue de Caminho. "Descobri que muitos leitores têm pouco conhecimento do texto original, e por esse fato dependem da tradução, que não pode captar todo o sabor do texto original".

Qual a razão de fazer uma edição bilíngue de Caminho?

É uma história longa. Comecei a minha “carreira” como tradutor inglês de São Josemaria no primeiro dia em que o conheci. Isto ocorreu na casa onde estava alojado em Hampstead, Londres, a 3 de Agosto de 1962. De certo modo, a minha tradução era imprecisa, e Dom Álvaro del Portillo, que estava ao lado do nosso Fundador, amavelmente me fez notar. Percebi então, que era importante traduzir as palavras do nosso Fundador com a maior precisão possível. Com o decorrer dos anos descobri que muitos leitores ingleses têm pouco conhecimento do texto original em espanhol, e por esse fato dependem da tradução, que, inevitavelmente, não pode captar todo o sabor do texto original. Lembrei-me, então, que seria uma boa ideia imprimir os dois textos lado a lado. Lamentavelmente, isto também realça as deficiências da tradução. É necessária uma revisão constante.

Camino. The Way, edição anotada, London, UK, Scepter, 2001

Então é um trabalho inacabado?

Completamente! Embora se possa dizer que isto também se aplica em certa medida ao texto original. Surpreendentemente, durante a vida do autor, só se fizeram, quatro alterações no texto. Uma delas foi na tradução para inglês que se publicou na década de 1950. Creio que foi o padre Cormac Burke que descobriu que os pontos 381 e 940 eram idênticos. Como consequência, São Josemaria compôs um texto novo para o ponto 381.

Desde a sua morte, como o espanhol é uma língua viva, acontece que há aspectos da linguagem que para as novas gerações são difíceis de entender. Um exemplo encontra-se no ponto 20, onde se fala de uma moeda (cinco duros), que já não está em circulação, nem em Espanha, nem noutros países de língua espanhola. A tradução para inglês evita esta dificuldade simplificando-a, chamamos-lhe gold coin, uma “moeda de ouro”. Poder-lhe-íamos ter chamado crown “coroa”, mas isso exigia então outra explicação.

Que coisas mais tem de especial esta edição?

Trabalhei durante uns vinte anos num índice geral para Caminho, porque muitas vezes, quando queria citar um ponto de Caminho para uma aula ou para uma meditação, não conseguia encontrar o tema nos índices existentes, e descobri que muitas outras pessoas tinham experiências similares. Isto me animou a terminar o trabalho. Penso que o índice é de grande utilidade, mas continuo disposto a aceitar sugestões para melhorá-lo.

Qual a história das notas de pé de página?

São Josemaria em Londres

Estava um pouco indeciso a esse respeito. Já existiam várias traduções de Caminho muito boas para inglês. Contudo, havia traduções de alguns pontos, que não me pareciam captar adequadamente o significado, sobretudo o estilo vivo e estimulante do autor.

Eu não pretendia substituir as traduções existentes, mas pensei que seria útil dispor de uma edição reelaborada, usando as anteriores como ponto de partida. Quando terminei a revisão, pensei que uma série de pontos necessitaria de uma explicação para os leitores de língua inglesa. Recordo ter falado do assunto com um tradutor experiente acerca das notas de pé de página. A sua resposta foi um pouco seca: “Uma boa tradução não necessita de notas!” Eu não estava muito convencido porque o livro tinha ao fim e ao cabo 1500 notas.

Há algumas que gostaria particularmente de mencionar?

Algumas delas já existiam, com a nota ao ponto 11, que menciona o Cardeal Cisneros, que para muitos leitores é um desconhecido. Algumas explicam que a tradução para inglês se afasta de certo modo do original, como o ponto 433 onde a tradução não se refere às batalhas de Navas e de Lepanto. Uma nota que valorizo muito é a do ponto 28, que foi criticado algumas vezes por se referir às pessoas casadas como sendo “soldados” na Igreja. É animador descobrir que São João Crisóstomo tinha utilizado uma ideia similar há mil e quinhentos anos! Outra nota surge da tradução do ponto 12, que diz ”cresce perante os obstáculos”. Esta frase atribuiu-se a São Bernardo, mas sucede que o escritor romano Sêneca, já a tinha utilizado, e inclusive diz que a tomou dos estoicos.

As notas ajudam a revelar como o autor está imerso na cultura cristã e secular.

As notas também conseguem reunir pontos similares de Caminho. Frequentemente, ao refletir sobre um ponto, gostaria de conhecer os outros que estão relacionados com esse. Algo que tem a ver com isto, é uma nota que enumera a variedade de animais que São Josemaria menciona; não só burros e pássaros, também touros, grilos, mulas, cães, raposas, etc.. Outra foi redigida para mostrar que o autor não limita as suas referências às mulheres nos três famosos pontos: 980, 981 e 982, mas que menciona as mulheres em muitos outros pontos, sem falar daqueles em que trata da Virgem Maria e das Santas Mulheres. Na enumeração dos Santos, descobri de que o livro fala de mais de trinta santos.

Caminho diz-nos muito de como é São Josemaria?

A edição comentada de Caminho, publicada há alguns anos, mostra que muitos dos pontos são autobiográficos, embora o autor tenha ocultado efetivamente este fato, com o desejo – como era seu costume – de “ocultar-se e desaparecer”. Sim, o livro diz-nos muito dele, sobretudo na maravilhosa expressividade do seu estilo. Com frequência, reparamos que o autor alterou a ordem lógica das palavras, para conduzir o leitor ao mais íntimo do seu coração. É um livro maravilhoso, e pode ser lido e relido vezes sem conta.